26 de fev. de 2012

Pra Cruzar o Céu de Madrugada.



0

Houve um tempo
(há muito tempo!)
Em que ser noite bastou.

Houve um tempo
(mas foi há tanto tempo...!)
Que o próprio tempo levou.

Mas eu não sou tempo
Sou um quase-poeta
(ou é o que tento...)
E tenho alma (inquieta!)
Demais para esquecer
Palavras assim ao relento.

Assim,
Comecemos pelo começo.



1


Era sempre da mesma maneira: antes que apagassem as luzes, corria a fechar os olhos. E quando fitava (sempre quieta!) o avesso das próprias pálpebras, convencia a si mesma de que a escuridão que tinha dentro de si era muito melhor do que a escuridão que o mundo a oferecia. Era mais doce, mais sua. Oh, era tão sua...! Escondia-se no mais profundo de seu âmago, detrás de uma camada demasiada grande de quietude cinza, mas estava lá, onde só os olhos fechados alcançavam. Estava lá, e era muito mais escura do
que jamais ousou admitir. Muito mais do que gostaria. 



2

Feito pó.
De grão em grão.
De nó em nó.
Crescendo, só
Na contramão.

Feito eu,
O abrir dos olhos
O fechar d’alma
Feito eu, quando oro.
Voz calma, joelho no chão.
E peço ao papai do céu
Um novo coração.

3

Chovia forte. O frio recusava-se a partir. Todos já dormiam, debaixo de cobertas grossas, e ainda assim, sentindo o gelar dos ossos. Mas ela não abriu os olhos. 

Dançava no pátio descoberto, ao som das batidas do próprio coração. Sorria. Sorria tanto...! Rodopiava com os pequenos braços abertos, feito bailarina torta. E o frio não ousava se aproximar. Tinha medo, veja só! Pois ele sabia que os olhos estavam fechados, que a escuridão o afugentaria ao mais efêmero toque. Então ele ficava ali, à espreita. Só olhando. Nem a chuva a molhava como deveria. Foi quando soube: tinha a noite dentro de si. 


4

Mas foi crescendo... Crescendo... Até não caber mais. Abriu as asas feito pássaro escuro e alçou voo d’alma. (Per)correu dos pés às pontas dos dedos das mãos. E foi ali que fez moradia.

Descobriu como cantar. Batia as asas pra sacudir as palavras pra fora, e rabiscava de pena carmim o papel, consumindo a si mesmo. Era tudo tão embaralhado, tudo tão ensimesmado! Feito um sopro. Mas a escuridão era chama. E o sopro tinha medo. Então fez encaixar tudo, como brinquedo de criança.


5

E foi quebrando
De linha em linha
E deixando queimar
A cada novo iniciar.
Sem sopro para apagar.
Sem sopro para apagar!

E foi deixando-se pra trás
Feito cinza.
Feito pó.
Feito pó.
Feito...
Pó.


6

Pés no chão.

Vazio.


7

Nunca estivera menos só.

Já não podia fechar os olhos, pois o que via não era a escuridão dos avessos das pálpebras, era
apenas um vazio morto.

Morte de escuridão viva.

Morte dos sonhos, quiçá.

Que se consome no fogo que queima na ponta dos dedos





E então descobriu as reticências.



8
...



0


Houve um tempo
(há muito tempo!)
Em que ser noite bastou.

Houve um tempo
(mas foi há tanto tempo...!)
Que o próprio tempo levou.


∞ 

Cada fim de um algo é o início de um algo todo novo. Cada partir é a certeza de um regressar do
outro lado. Cada morrer é um renascer. Cada chama que se apaga é uma escuridão que se acende.

Cada alçar voo é um novo toque dos pés no chão.


E nunca acaba.
(até que eu acabe)




...

Um comentário:

  1. Lindo.
    Estou começando a gostar profundamente de poesias e ler algo assim, só me faz ter orgulho de estar descobrindo esse novo mundo (pra mim).
    Queria eu ter o dom de escrever coisas tão lindas.

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