28 de dez. de 2013

Wanderlust

Que faz o poeta, senão
Mendigar uns versos
Num papel impresso
Por um bocado de pão

Que faz a poesia?
Pra que serve? Senão
Anoitecer rostos imberbes
Senão cortar o coração

Mas minha alma é retirante
Tal amada qual amante
Causa asco a rotina.

Quer mudar o mundo
Mas tem medo do escuro:
É por isso que escreve poesia.

Jaz

os campos de guerra
também são floridos
as sarjetas, os bueiros
os corações esquecidos

pois a cada nova queda,
é o solo que mais fértil fica
é a vida que mais se enverga
sem sentido, para virar nova vida

mas não há tempo para velórios,
no campo de batalha,
não há tempo para luto

ninguém se lembra dos nomes
das flores esmagadas
gente morta é adubo

27 de dez. de 2013

diálogo

- sabe, eu vi aquele filme esses dias atrás e fiquei pensando...
- no quê?
- que é engraçado. a gente nunca sabe o que é real. afinal, o que é ser real...?
- que papo mais maluco... como assim?
- olha pra gente. nós somos reais? eu posso te tocar, olha. posso te ver, te cheirar, te ouvir... isso faz de você real?
- pois sim, como não faria?
- ah, não sei. para pra pensar: existe um monte de pessoas vivendo do outro lado do planeta, pessoas que eu nunca toquei, nunca vi, nunca ouvi. elas não são reais, então?
- claro que são! você agora é a medida para todas as coisas?
- ora, se não eu, quem é? a gente só vive no mundo através dos nossos sentidos. o que me garante que meus sentidos não me enganam? agora mesmo, essa conversa pode ter acontecido semana passada e meus sentidos só estão repetindo ela pra mim. eu posso agora mesmo estar sentado na minha varanda tomando chá mate, e achando que estou aqui com você. como é que vou saber?
- ah, para, não viaja. você nem é uma pessoa de verdade. você só é um amontoado de palavras num diálogo. nem letra maiúscula nós temos. acho bom você ficar aí na sua e parar de questionar.
- mas agora mesmo tem alguém lendo a gente.
- oxe, e daí?
- e daí que aposto que agora temos um rosto. um corpo. uma voz, um cheiro, um olhar, um par de sapatos e uma roupa bonita. nós somos menos reais só porque estamos existindo dentro da cabeça de alguém? afinal, não é todo mundo que existe dentro da cabeça de alguém? é com os meus olhos que eu vejo o mundo.
- eu acho é que você tá ficando biruta.
- ah, você não entende. vai continuar repetindo as mesmas palavras sempre, exatamente as mesmas. você não tem poder de escolha porque tá acorrentado.
- que mané acorrentado!
- então vai lá, diz alguma coisa diferente, quebra o ciclo. faz seu próprio destino. quero ver.
- eu não, tou bem assim. mas você pode tentar aí.
- e eu vou mesmo. vou escrever minha própria história. você tem papel?
- tenho, aqui ó.
- ih, mas esse já tem coisa escrita.
- ué!
- é, olha, o texto começa assim: “- sabe, eu vi aquele filme esses dias atrás e fiquei pensando...”

13 de out. de 2013

Viveria


À meia luz os olhos dela são menos tristes. Os lábios rubros que se abrem, se contorcem e se envergam jamais sorriem, são meras linhas que desgrudam e se tocam num átimo para falar de amor. Tocaria a ponta dos dedos pútridos no lóbulo da orelha direita, como que para mostrar a bijuteria barata que ainda brilhava a essa hora da madrugava, estrela (de)cadente – mas querendo mesmo dizer que mais vale ouvir o silêncio porque ele não mente – tocaria se dedos pútridos ainda houvesse. O silêncio não mais agarra por trás e arranha sua cintura qual o tango taciturno da noite passada. Borrifaria, então, as últimas gotas do perfume que escorrem pelo espelho por entre os seios para tapear o cheiro dos sonhos mortos que carrega dentro de si há muito, e riria ao lembrar de que cada boca que a beijara levara um pouco daquela morte, e que em pouco aqueles dentes também apodreceriam e então restaria ali a poesia do que nunca existiu, enterrados sem nome ou epitáfio. Aqui jaz, e só. Jazia há muito. Talvez até pentearia os cabelos, que foram tranças, foram nada. E deixaria que a escova caísse no chão só para ter que se mover e sentir o calor vívido da brisa que entra pela janela despretensiosamente entreaberta, cheirando a álcool e tabaco. E fitaria fundo os olhos no espelho até que visse a própria alma, refugiada nos recônditos calejados de sua pífia existência. Num instante ralharia consigo, perguntando o que diabos se tornara, o que diabos fizera com a vida.  E cada célula que ainda vivesse amontoada sobre seus sonhos abriria os olhos, e elas se entreolhariam desacreditadas – é isso mesmo que estou entendendo? Ela prometeria a si mesma que amanhã mesmo trataria de ser feliz. E as lágrimas que escorreriam de seus olhos seriam também felizes. E assim que o sol entrasse por aquela maldita janela entreaberta e viesse tocar a brancura de sua pele, ela encheria os pulmões do ar de um novo dia e, enfim, viveria.
Viveria, se o coração que batia, batesse para levar o sangue por entre o seu corpo, e não por sobre a penteadeira.
viveria
se o coração
ainda

bat

ess

e

18 de set. de 2013

Ponto ação

de poucas nesgas de alma
construiu pulmões de respirar
teceu mãos para pintar com calma
e os pés para não voltar

dos poucos ares imundos
respirou: o mundo
que não parou de rodar
que não parou de ser mundo
não parou: nem parará

do pouco de vida que tinha, escreveu-se
num poço profundo, poema moribundo:
vivendo como quem espera
- sem delícias ou dores -
o ponto final chegar
.


(e é aqui que você coloca as flores)

26 de mai. de 2013

Destom.

Silêncio da noite
que me aperta a garganta:
é sístole da vida
num suspiro acrobata que
dá pirueta quando sai do peito
e volta pra me acertar feito verdade
enquanto vejo-o no espelho.

Pois sim, e meu silêncio? 

O que faz (ou diz)?
confunde covardia e paz do que
eu calo só por um triz

ou faz coro ao frio
d'uns versos que dizem
que o impossível é
só pedra no caminho
para fatigar nossas retinas
para nos dobrar
e no fim do dia
transformar tanta sede

em poesia.

10 de mai. de 2013

Sobre ser, estar e pertencer.

"You do not have a soul. You are a soul. You have a body."
C.S. Lewis

Era uma vez. Uma vez que ainda é e que será até o final dos tempos. Em um lugar que não se pode estar, apenas se pode ser. Os pés pequeninos do menino mal tocavam o chão poeirento enquanto ele gangorreava no brinquedo velho. Dependendo de quem o visse, especialmente naquele lugar, veria pele enrugada, cabelos brancos e os olhos negros de quem já viveu um milhão de vezes. Mas para a mulher que o observava de longe, era apenas um menino, com seus cabelos despenteando-se ao ranger do balanço e a inocência estampada nos olhos. Sua aparência também variaria aos olhos de outrem. Podia-se vê-la com cabelos ruivos - Scarlet, sim? - e um cigarro aceso pendendo nos dedos, o qual ela tragaria com demasiado prazer e ainda sorriria, descarada. O menino ralharia com ela, se a visse assim. Mas não vê. Outras pessoas, não obstante, a veriam tão divertida quanto um pacote de salgadinhos sabor nacho. Disposta a pintar os cabelos de azul ou dançar no meio da rua, se a convidassem. O menino  coraria e talvez sequer ousaria abandonar seu brinquedo se a visse assim. Mas não vê. Haveria ainda quem a visse toda responsabilidades. Gente grande. Inquebrável. Com o nome bonito de uma antiga canção francesa. Et j'ai crié pour qu'elle revienne. Sim? Se o menino a visse assim, limitaria-se a fazer um cafuné em seus cabelos com as mãozinhas diminutas. Mas não vê.

O menino a vê da mesma maneira que ela o vê. Parte estendida de si que, vez em quando em umas vidas, acabam nascendo longe demais um do outro. Às vezes seus corpos são nada além de um bando de pixels mal odernados. Às vezes são um amontoado de palavras. Às vezes são abraço e carne e osso. Às vezes não são nada. Pois sabiam que, fosse o que fosse, no final de tudo poderiam encontrar-se ali, naquele parquinho poeirento que não existe - mas que é. O lugar onde não se pode estar, pode-se apenas ser: e eles são. Almas nuas uns aos outros. Sem esconder subterfúgios de si ou guardando um recorte d'alma no âmago de suas existências para jamais compartilhar. E, fosse o que fosse, o menino sairia de seu balanço só para lembrar a moça que só se vê bem com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos. E apontaria o dedo para a estrela onde, talvez, quem sabe, morariam na próxima vida. E onde talvez, quem sabe, nascessem outra vez longe demais um do outro. Mas ele diria, sem dúvidas, o quão curioso está para descobrir que artimanhas o destino vai arrumar dessa vez para uni-los. Você não?

20 de abr. de 2013

Daquilo que não é imortal, posto que é chama.




debaixo do mesmo céu que o seu
azul demais pros meus olhos sem cor
fez-se torto e vivo um algo
ao qual não dei nome.
perseguiu-me o dia todo e guardei
debaixo do travesseiro, à noite
meio aos sonhos e às estrelas.
as batidas do coração cantaram
para que eu dormisse. acordei perdido.
meio joão sem santo nem cristo
que de escolha própria escolhera a solidão
e, que de só, agarrou-se à mão do infinito
vasto e torto. mais torto e vasto que bonito
com o passado ao lado e o presente ali debaixo
infinito. pelos grãos de areia

que cocegavam meus pés
e pela chuva que já 

dizia cair em pouco
vi o fim vindouro,
e, acredite,
bastava

um
so
pro.

3 de abr. de 2013

Fonte

cansei de fazer fita
de tanta palavra bonita
que, no fundo, nada diz

de contar pantomima

de fiar tanta rima
torta em chão de giz

vou é fazer um pedido
e assosprar sentido
em palavra que,
ao vento, voa

o coração da poesia
é a partezinha fria
da tua alma em que
a poesia ecoa.

10 de mar. de 2013

Descontrole Remoto.

soube assim que viu
soube que não saberia
que, num dia que sumiu,
cantá-lo-ia feito ode

deslizou pelo corrimão
no chão esborrachar-se-ia
se trespassasse o coração
a sombra d'uma sístole torpe

só pra se perder
nos lábios rasos:
sorriso amarelo feito foto

pra se bagunçar
ao mergulhar nos olhos:
seu descontrole remoto.

15 de fev. de 2013

Casa








Pode ser que o barco vire. Também pode ser que não.

 Semicerrou os olhos ao deslizar a ponta dos dedos pelo copo de não-sei-o-quê. Tocara-o nos lábios uma dezena de vezes e agora estavam secos; os lábios e o copo. Apoiou-se na bancada para conseguir sorrir de vertigem.

- Cê tá bem?

- Tou, é só...

Era só o quê? Era só e ponto. Estavam só, e só. Pode isso? Ficar só e ficar com outra pessoa ao mesmo tempo? Vai saber. Bastava que ficasse incompleto, que reticenciasse por aí. Não queria saber explicar e, de fato, não sabia. Agora que parou para pensar... A ideia de não saber não incomodava, como sempre fazia. Era só fechar os olhos e ouvir o coração batendo para acreditar que fosse verdade. Talvez não fosse, mas o coração batia de qualquer forma.

- E afinal, o que é que eu tou fazendo aqui, hein?

- Eu é que sei?

Olhou em volta e sentiu-se estranhamente à vontade. Nunca ficava à vontade. Talvez conhecesse aquele azulejo no tom de azul mais feio que já vira de outras vidas. E aqueles olhos, no tom de azul mais bonito que já vira? Lembrava-se dessa vida mesmo. Como um prenúncio do não-saber-onde-colocar-a-mão que certamente se seguiria. E do medo de deixar-se cair demais. Pendurar-se-ia naqueles cabelos e escalaria para cima até, mais uma vez, alcançar-se: no topo de outrem. A lasca perdida de seu coração guardada debaixo daquela língua.

Aproximou-se de si. E, dos dois lados, espiralou pelo ar aquele cheiro de "você" que ninguém mais tinha.

A cabeça pendeu à guisa de pergunta que jamais se enunciou.

- O que cê tá fazendo?

Os lábios se tocaram à guisa de resposta.

- Eu tou voltando pra casa.

13 de fev. de 2013

Soneto de Confete.

(ou confete de soneto)

enrolada em serpentina
pintou de cinza a cara
pierrot de quinta
ou arlequina barata

bailarinou, a pequenina
fingindo alegria inata
e caiu torta na esquina
enquanto a banda passava

anoiteceu sozinha,
amanheceu rotina,
na boca o gosto de felicidade.

escorreu pela pia da cozinha
pintando a cara de cinzas
pr'uma vida que não é verdade.